ENTREVISTA » FRANCISCO VITORIANO
Publicado em 28.05.2010 pelo Jornal C.
Formado em letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Francisco Vitoriano, 33 anos, trabalha como vigia numa escola municipal de Currais Novos, no Sertão do Seridó, e, à noite, faz outro curso de graduação. Ele enfrenta uma situação delicada: quer fazer pós-graduação em linguística, mas não pode estudar o dialeto cigano, que ele domina, pois torná-lo público é considerado traição.
JC – Muitos ciganos são analfabetos. Como você conseguiu fazer um curso superior?
FRANCISCO VITORIANO – Foi um golpe de sorte. Cursava a 4ª série e gostava muito de estudar quando meu pai decidiu levantar o acampamento. Ele achou que minha bisavó era muito velha para viajar em lombo de burro e determinou que duas tias minhas permanecessem com ela. Pedi, então, para ficar junto e continuar os estudos. Nenhum dos meus irmãos e primos prosseguiu.
JC – Por que poucos ciganos concluem os estudos?
VITORIANO – A vida em constante mudança atrapalha bastante. Imagine uma criança que está se adaptando à escola e aos colegas ter que deixar o lugar e começar tudo de novo, isso várias vezes. O preconceito é outra causa. Lembro que eu era muito pequeno, uns 6 a 7 anos, vi uma mãe que me fitava dizer à filha: “Vou tirar você daqui, porque nessa escola tem ciganos”. Senti muita tristeza, muita revolta. Mas aquilo, no lugar de me fazer desistir, me deu mais força.
JC – Fazer um curso superior distanciou você do seu povo?
VITORIANO – Fiz uma opção que acabou me distanciando um pouco. Não foi só a faculdade. Casei com uma brasileira (não cigana) e não moro mais com os outros ciganos, agora vivo num sítio. Mas, constantemente, estou com meus primos, meus amigos. Sempre que posso vou até lá conversar e nem sinto o tempo passar. Em dias de festa, como no Natal, procuro sempre estar com minha gente.
JC – Você não gostaria de fazer um dicionário e um gramática da língua cigana?
VITORIANO – Uma pesquisadora da UFRN me fez essa proposta. Disse que isso daria não só uma dissertação de mestrado, mas também uma tese de doutorado. Mas veja, o caló é uma forma de comunicação exclusiva dos ciganos. É uma tradição muito forte. Fazer um dicionário e uma gramática de uma língua ágrafa como a minha seria torná-la pública. Seria como se estivesse traindo o meu povo. E as relações, sejam sociais, sejam familiares, dos ciganos se baseiam muito na confiança, na palavra.
JC – Quais são seus planos para o futuro?
VITORIANO – Cigano vive o presente. O dia de amanhã é providência divina. Mesmo assim penso em fazer concurso e, no lugar de vigia, ser professor. Mas não vai ser de escola municipal. Já que esperei tanto tempo, vou dar um passo maior. Estou cursando outra graduação. Primeiro fiz letras com habilitação em língua portuguesa, agora em espanhol. Não vou renunciar à carreira acadêmica. Preciso do mestrado para o concurso. Posso estudar minha língua, mas com outra abordagem. Como ela é transmitida, por exemplo. Sempre penso: se, quando criança, me separei da minha mãe para estudar, hoje nada pode me fazer desistir.
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